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Sem bilheteria e sem calor humano: pandemia desafia artistas de circo

27/03/21 às 08:46 - Escrito por Agência Brasil
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Hoje não tem marmelada e o picadeiro está vazio. Celebrado anualmente no dia 27 de março, o Dia Nacional do Circo não poderá ser festejado como queriam os palhaços: gerando risadas de plateias aglomeradas e recebendo intensos aplausos como retribuição. A pandemia de covid-19 mudou completamente o cotidiano de quase 10 mil brasileiros que se sustentavam dos rendimentos obtidos a partir de suas apresentações debaixo da lona.

"Já vivi outros momentos complicados, pois tenho uma carreira de mais de 30 anos. Mas esse é mais desafiador porque está cercado de muita incerteza. Há uma insegurança, pois precisamos nos reinventar e não sabemos se vamos acertar", diz Jonathan Cericola, que dá vida ao palhaço Pão de Ló, personagem criado originalmente por seu bisavô.

Cericola começou na atividade aos 7 anos de idade e representa a quinta geração de artistas circenses da família responsável pelo Circo Teatro Saltimbanco, que possui uma lona fixa em Itaguaí (RJ) e outra itinerante que costumava rodar por municípios do estado do Rio de Janeiro.

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A pandemia chegou no Brasil em março do ano passado. Jonathan Cericola conta que os desdobramentos da rápida propagação da doença deixou a todos espantados e sem saber o que fazer no primeiro momento. A partir do segundo mês de paralisação das atividades, a necessidade de se reinventar foi ficando clara para aqueles que dependem do circo. Um desafio para muitas pessoas que não se viam, de uma hora pra outra, abandonando suas atividades como palhaços, malabaristas, acrobatas, contorcionistas, equilibristas, ilusionistas e outros artistas.

Alguns se aventuraram em novos negócios, como a venda de alimentos e o transporte de passageiros. Outras apostaram em levar o picadeiro para a internet, como Jonathan. Fechado desde março do ano passado, o Circo Teatro Saltimbanco chegou a retomar apresentações com público reduzido no início do ano. Não durou muito: um novo agravamento da curva de contágio forçou novamente a interrupção. Para lidar com a situação, o intérprete do Palhaço Pão de Ló tem adaptado apresentações para as redes sociais, usando canais no YouTube e no Instagram. Embora avalie que as ferramentas virtuais ofereçam algumas possibilidades interessantes, lamenta a falta de calor humano.

O setor cultural foi um dos primeiros a sentir o impacto da pandemia. Cinemas, teatros, casas de shows, circos e outros espaços voltados para a arte ficaram impossibilitados de reunirem público. Um auxílio emergencial para garantir uma renda mínima a artistas foi aprovado no Congresso Nacional em março do ano passado. Ele foi pago pelo governo federal em nove parcelas entre abril e dezembro de 2020: nos primeiros cinco meses, o valor era de R$ 600 e, nos outros quatro, caiu para R$ 300.

Os repasses foram feitos a maiores de 18 anos sem emprego formal e com renda inferior a maio salário mínimo, que não estivessem recebendo benefício previdenciário ou assistencial e que tenha tido, no ano anterior, rendimento tributáveis abaixo de R$ 28,5 mil. Muitos artistas circenses se enquadravam nessas condições. Na semana passada, o governo federal instituiu por medida provisória um novo auxílio de quatro parcelas, com valores mais baixos, entre R$ 150 e R$ 375, e com pré-requisitos novos que reduziram o número de beneficiários.

Uma ação emergencial específica para o setor cultural também saiu do papel em junho do ano passado. Trata-se da Lei 14.070/2020, que ficou conhecida como Lei Aldir Blanc em homenagem ao compositor que faleceu devido a complicações da covid-19 logo no início da pandemia. Articulada no Congresso Nacional, ela foi aprovada com apoio de parlamentares da base do governo e da oposição.

Através dela, a União ficou responsável por repassar aos estados e municípios R$ 3 bilhões, que poderiam ser empregados de diferentes formas: renda emergencial aos artistas, subsídios para manutenção de espaços, empresas e instituições culturais, editais para realização de eventos ou para produção cultural, entre outros.

Jonathan teve acesso a recursos públicos do auxílio emergencial e também da Lei Aldir Blanc. Segundo ele, os repasses são bem inferiores aos rendimentos que o circo daria se estivesse funcionando, mas dão um desafogo. Porém, manifesta preocupação com a situação a longo prazo, sobretudo, pelas exigências do Poder Público.

"A subvenção nos coloca numa situação complexa, pois temos que oferecer uma contrapartida e temos que prestar contas. Então, os mesmos governos que te exigem a contrapartida são também os que não dão autorização para o funcionamento. Imagine um circo pobre onde está faltando comida. A família quer usar o dinheiro pra se alimentar. Mas não pode, tem que usar esse dinheiro pra comprar uma lona nova para o circo. Isso ajuda em que? Não adianta ter dinheiro na conta e não ter comida na mesa. É emergencial. Se a situação se prolongar e não for possível reabrir o circo, em algum momento, o circense vai precisar desse dinheiro para sobreviver", avalia.

Mapeamento dos circos

O Instituto Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) chegou a divulgar estudo onde estimava que 700 mil pessoas poderiam ser beneficiadas pela Lei Aldir Blanc. No meio circense, no entanto, o acesso ao recurso foi restrito. E, entre quem teve acesso, relatos como o de Jonathan são comuns.

A Associação Brasileira de Artes, Cultura e Diversões Itinerantes (ABACDI), entidade que reúne artistas e produtores culturais que atuam em defesa de políticas públicas para a cultura, avalia que há um excesso de normas impostas pelos governos estaduais e municipais, que tinham autonomia na distribuição dos recursos e usaram a lei como se fosse uma iniciativa de fomento e não de auxílio emergencial.

"Vejo muita burocracia na prestação de contas, muita exigência absurda. Se era para ajudar, deveria ser uma doação aos artistas, nos moldes do auxílio emergencial. Mas não tem sido assim", diz Ana Lamenha, presidente da ABACDI.

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