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Margaret Atwood faz 80 anos e dá sequência ao seu best-seller profético

16/11/19 às 07:07 - Escrito por Estadão Conteúdo
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Margaret Atwood estava quieta no seu canto, escrevendo - como sempre fez desde os anos 1950 -, publicando um livro a cada dois ou três anos e esperando, talvez, o seu Nobel quando o mundo começou a mudar e a se aproximar do que ela um dia imaginou como um futuro distópico. Para começar: Donald Trump virou presidente dos Estados Unidos. E, no dia seguinte à sua posse, em janeiro de 2017, na Marcha das Mulheres, o nome da escritora canadense apareceu em alguns cartazes. "Make Margaret Atwood fiction again" era um deles, e brincava com o slogan da campanha de Trump (Make America Great Again). O outro dizia que "O Conto da Aia" não era um manual de instrução.

"O Conto da Aia" é o livro mais famoso de Atwood. Escrito em Berlim em 1984 e publicado em 1985, ele retrata uma nova sociedade tirânica e puritana, Gilead, onde as liberdades são anuladas, as mulheres férteis viram servas, a vigilância é feroz e a punição, cruel. O livro voltou ao debate e às listas de mais vendidos - ao lado de "1984", de George Orwell. E, três meses depois da Marcha das Mulheres, estreava, na Hulu, a adaptação para a TV. "The Handmaid's Tale" tem sido superpremiada e já caminha para a quarta temporada.

Margaret não assistiu a isso tudo de casa. Foi para a rua, ajudou na série, ganhou o Prêmio da Paz na Feira do Livro de Frankfurt, foi condecorada com a Ordem de Companheiros de Honra pela Rainha Elizabeth e, confrontada, sim, pelos seus novos e velhos fãs, mas, principalmente, pela realidade, como ela disse em uma entrevista recente, escreveu a continuação de "O Conto da Aia".

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"Os Testamentos" foi lançado em inglês em setembro, já dividiu o prestigioso Booker Prize com "Girl, Woman, Other", de Bernardino Evaristo, e chega agora às livrarias brasileiras pela Rocco às vésperas do aniversário da autora - Margaret Atwood faz 80 nesta segunda-feira, 18.

"Os Testamentos é verdadeiramente um livro deste tempo. Margaret sempre foi muito atenta ao que estava acontecendo no mundo e isso vai parar em sua obra. E escrever esse livro, projetar a história e alguns dos personagens 15 anos depois dos acontecimentos de O Conto da Aia foi uma coisa muito notável de se fazer, incrível e convincente", diz a inglesa Liz Calder.

Liz editou a obra de Atwood por muitos anos, desde que ela era uma poeta reconhecida no Canadá e desconhecida no resto do mundo até se desligar de sua famosa Bloomsbury em 2010. Idealizadora da Festa Literária Internacional de Paraty, trouxe a autora para a Flip em 2004. E fez parte do júri do último Booker. Da relação profissional nasceu uma amizade recheada de histórias - uma delas envolve até Juju, o papagaio que Liz levou do Brasil em 1968, depois de uma temporada de quatro anos no País.

Margaret e o marido Graeme Gibson, que morreu em setembro, pouco antes de Atwood ganhar seu prêmio mais recente, se hospedaram uma vez na casa de Liz, que precisou viajar e deixou o casal responsável pela casa e por Juju. Amantes de pássaros - depois da Flip, até tentaram ir ao Pantanal, mas o avião deu meia volta por causa do mau tempo -, eles cobriram a gaiola do papagaio com uma toalha antes de dormir. Ao acordarem, aquele constrangimento de hóspede que fez algo errado: Juju tinha feito picadinho da toalha e Margaret saiu por Londres atrás de outra para repor.

Uma pessoa extraordinária em todos os sentidos. É assim que Liz descreve a amiga. Que cantava com o marido depois do jantar, que tem mais energia do que seus 80 anos sugerem e é comprometida com o que acredita - a defesa do meio ambiente, principalmente. Generosa, bondosa, corajosa, engraçada, zombeteira, espirituosa e irônica. "Mas ela pode ser muito afiada quando acha que alguém está falando besteira ou não está dizendo a verdade, e dura ao se confrontar com uma pergunta estúpida", comenta.

No Brasil

Foi a finada Marco Zero, de Felipe Lindoso, Maria José Silveira e Márcio Souza, que primeiro publicou Margaret Atwood no País, em 1984. "Quem descobriu a autora foi Márcio Souza, que a conheceu em um festival que havia em Toronto, The Harbour Front, e trouxe os livros que ela já havia publicado. Decidimos começar por Lady Oracle, que já tem todos os elementos da obra da Margaret (exceto a distopia), e é muito engraçado", relembra Lindoso. Foram seis títulos no total até a editora fechar e a obra ir para a Rocco. Sobre a sua recepção, o ex-editor diz que as críticas foram boas e as vendas, medíocres.

Mas, nos Estados Unidos, "O Conto da Aia" foi um sucesso instantâneo. "Em 1985, o livro virou um best-seller por estar em sintonia com a ameaça do desmoronamento dos direitos das mulheres, conquistados décadas antes - além dos programas de Reagan e a ascensão conservadora nos EUA, a figura de Margaret Thatcher no Reino Unido é emblemática, pois, embora mulher de poder, atacou políticas de bem-estar social. Ele também capta, em sua forma literária, os testemunhos de pessoas que passaram por episódios traumáticos em ditaduras, denúncias que ficaram bastante populares à época", explica a escritora e pesquisadora Ana Rüsche - sua tese de doutorado é sobre Atwood e Ursula Le Guin.

E por que a volta? "Infelizmente, a ascensão conservadora internacional faz com que o livro volte às prateleiras. A série da Hulu ajudou a popularizar, mas o livro já havia voltado a vender muito assim que o Trump venceu a eleição."

Juliana Gomes, uma das idealizadoras do Leia Mulheres, projeto que incentiva, no País todo, a leitura e discussão de obras escritas por mulheres, revela que "O Conto da Aia" é um dos livros mais lidos no clube e que ele e outros títulos de Atwood já foram tema de encontros em cerca de 80% das cidades do projeto. E o que a leitura desperta? "Questionamentos", ela responde. "Dentro do clube homens e mulheres são postos ao diálogo ao questionar, inclusive, o status quo. Ela é uma grande estudiosa e cada livro nos traz uma releitura instigante de algum tema."

Humor

Para Ana Rüsche, duas coisas se destacam em sua obra: o senso de humor e o uso da primeira pessoa. A escritora Simone Campos, tradutora de "Os Testamentos", também destaca o humor como um traço. "A Atwood tem um humor peculiar em que a sintaxe importa muito. Adora um trocadilho - trocadilhos cheios de nuances - e um provérbio."

Para a tradutora, Atwood se superou agora. "Além de criar um livro com três narradoras muito diferentes entre si, tem muita ação." Simone apresenta as narradoras: "Agnes cresceu em Gilead, é ingênua, polida, não fala palavrões, mas adota latinismos na sua narrativa (fruto de sua educação clássica e tardia); Tia Lydia é cheia de provérbios e referências cultas da época pré-Gilead, e também domina aquela retórica escorregadia totalitária, de sugerir sem dizer. Já a adolescente Daisy, que cresceu no Canadá livre, é espevitada e impulsiva, e fala numa estranha mistura de politicamente correto e incorreto, com palavrões, gírias".

OS TESTAMENTOS

Autora: Margaret Atwood

Tradução: Simone Campos

Editora: Rocco (448 págs.; R$ 54,90)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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