Londrina
Cascavel
  • Londrina
  • Cascavel

Vicência Brêtas Tahan relembra a mãe, Cora Coralina, e revela inéditos

17/08/19 às 09:10 - Escrito por Estadão Conteúdo
siga o Tarobá News no Google News!

Na entrada do apartamento do bairro do Paraíso, em São Paulo, sobre a estante, vemos fotos da família de dona Vicência. No meio desses retratos coloridos de filhos e netos, há uma foto em preto e branco que destoa um pouco - uma imagem muito bonita, e bem conhecida, de Cora Coralina (1889-1985). Acima, alguns objetos de decoração que pertenceram à poeta goiana. Na mesinha de centro, uma das panelas de barro que ela usava para cozinhar em seu lendário fogão a lenha virou vaso para uma renda portuguesa. E, no caminho para os quartos, uma galeria com fotos da escritora - a mais antiga, tirada por volta de 1910; a mais nova, de abril de 1985, feita dois dias antes de ela morrer em decorrência de uma pneumonia.

Vicência Brêtas Tahan é possivelmente a fã número um de Cora Coralina, e guardiã de seus escritos. Única filha viva da poeta e doceira que estreou na literatura aos 75 anos, ficou conhecida do grande público aos 90, e cuja popularidade só aumenta com o passar dos anos, ela está animada com a proximidade das comemorações pelos 130 anos do nascimento de sua mãe, que vai movimentar, na terça-feira, 20, a cidade histórica de Goiás Velho, onde Cora nasceu e morreu.

Antes de embarcar para lá, Vicência recebeu o Estado em sua casa, e falou com carinho sobre as lembranças que guarda da mãe, as lições aprendidas, a saudade - e mostrou a estante dos inéditos. E essa é a notícia boa para os leitores de Cora: há material (poemas, contos, cartas e discursos), ela diz, para mais cinco ou seis livros.

Leia mais:

Imagem de destaque

Youtuber Felipe Neto testa positivo para Covid-19

Imagem de destaque

Programa Guest visita casa do youtuber Renato Garcia

Imagem de destaque

Laudo da Polícia Civil indica acidente na morte de MC Kevin

Imagem de destaque

Polícia investiga morte de MC Kevin, no Rio de Janeiro

Isso, sem contar os três que estão no prelo da Global. Dois deles - uma seleção de poemas para jovens e o infantil Lembranças de Aninha, com 12 textos já publicados - estão previstos para 2020. E um novo lote de inéditos chegou recentemente à editora, que está no processo de seleção.

Cora Coralina só publicou três livros em vida - Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais (1965), Meu Livro de Cordel (1976) e Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha (1983). Hoje, são encontrados 16 títulos nas livrarias, incluindo um livro de receita e 8 para crianças.

"Minha mãe começou a escrever muito cedo, aos 14 anos, mas naquele tempo ninguém dava valor à escrita da mulher. E ela foi guardando, guardando. Depois, se casou e meu pai era daquela geração bem machista: não deixava ela mostrar os poemas que escrevia, e ela continuou guardando. Até que, aos 75 anos, já viúva, com os filhos criados e casados, ela voltou a se interessar por publicar e conseguiu", conta Vicência.

Tudo bem que, entre os 14 e os 75, a vida foi movimentada e cheia de mudanças e batalhas - e a escrita pode ter ficado em segundo plano enquanto, viúva, ela criava os filhos, vendia tecido, administrava uma pensão, cuidava da roça ou fazia doces. Mesmo assim, e também porque a volta definitiva à cidade natal em 1956 reavivou nela o desejo de escrever e porque lá havia mais tempo, há naquele apartamento do Paraíso cerca de 15 pastas azuis que guardam manuscritos e datiloscritos de Cora, nascida Anna Lins dos Guimarães Brêtas. Material que Vicência vem organizando desde que a mãe morreu, há 34 anos, e que ainda precisa de um olhar editorial e crítico.

Filha raspa de tacho, como ela brinca, Vivência, que perdeu o pai aos 3, acompanhou a mãe em suas últimas andanças pelo estado. De Jaboticabal para São Paulo, Penápolis e, por fim, Andradina. Sabe das vantagens de ser caçula - Cora tinha mais tempo e até lia para ela alguma coisa que estava escrevendo para algum jornal local. Mas histórias, mesmo, só os netos ganharam - e delas nasceram alguns de seus livros infantis. "Não, não tinha isso de ela contar historinha. Ela estava trabalhando, cuidando da loja para sustentar a mim e a ela", comenta.

Se Cora foi uma mãe carinhosa? "Médio", responde Vicência. "No tempo dela, não era costume ficar acarinhando, abraçando filho, beijando. A gente tinha que tomar bênção para dormir e quando levantava. Não era de achego. Ela viveu o tempo dela e criou os filhos de acordo com esse tempo", completa.

E a poeta dos versos simples que encanta tantos leitores foi uma mãe exigente. "Ela nunca aceitou que a gente ficassem em cima do muro. Com ela, era assim: ou você toma partido ou fica de boca fechada. E, quando tomar partido, fique firme até ser convencido a mudar de opinião. Mas ela nunca aceitou que alguém falasse não sei, quem sabe. A gente tinha que saber."

As principais lições ensinadas, além de não ficar em cima do muro, ela diz que foram saber quem somos e o que fazemos e sermos positivos.

Uma lembrança marcante, que serviu também como lição, é a de Cora lendo jornal e livros. "É muito importante estar em dia com os acontecimentos. A leitura é uma base extraordinária para a gente, para a convivência, para a prosa, para o conhecimento mesmo. Quem não lê está perdido, ainda mais hoje em dia, quando as coisas acontecem de uma hora para outra. Meu Deus, como está o mundo, não? E, se não estamos em dia, somos postos de lado."

A saudade é grande: da conversa, do espírito, da comida feita com banha na panela de barra, da linguiça que ela deixava no fumeiro, dos doces. Cuidar da obra de Cora diminui um pouco a distância entre a filha coruja, autora da biografia romanceada Cora Coragem, Cora Poesia, e a mãe famosa. "Sou filha coruja. A gente tem que valorizar o antepassado. E ela não foi uma mulher qualquer. Tinha muita personalidade, muita presença. Tenho muito orgulho e quero sempre parecer mais com ela nesse ponto", finaliza.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

© Copyright 2023 Grupo Tarobá